quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

OMS discute à porta fechada o que fazer com investigação sobre gripe das aves


Milhões de aves foram mortas devido à suspeita da gripe 

A polémica que já obrigou 30 equipas de investigação a assinarem uma moratória onde se comprometiam a parar o seu trabalho durante 60 dias está agora a ser discutida numa reunião à porta fechada, na sede de Genebra da Organização Mundial de Saúde (OMS).

O que está por trás da reunião? A investigação feita por duas equipas independentes que conseguiram mutar o vírus da gripe das aves de modo a, presumivelmente, passar de pessoa para pessoa. Uma investigação que ainda está à espera de ser publicada por se temer que caia nas mãos erradas, e possa ser utilizada para desenvolver armas biológicas, causando uma pandemia de gripe pior do que a de 1918.

Antes da gripe dos porcos que fez as manchetes no Verão de 2009, já a gripe das aves era uma preocupação há anos. O H5N1 foi detectado pela primeira vez em 1997, em Hong Kong, e devastou bandos de patos e galinhas na Ásia, chegando ao Médio Oriente e à Europa.

A transmissão para humanos em contacto com animais continua a ser uma realidade. Só desde 1 de Janeiro deste ano, a OMS tem nove relatos de episódios de transmissão, que aconteceram em cinco países diferentes, afectaram dez pessoas e mataram sete. 

Segundo a organização a mortalidade da gripe das aves é de 59%. Um valor altíssimo se for comparado com a gripe espanhola, que em 1918 matou 2,5% das pessoas que infectou: e que ainda assim, estima-se que tenha morto entre 20 e 50 milhões de pessoas. 

Vários cientistas contestam este valor da fatalidade da gripe das aves, dizendo que os números de infectados que a OMS tem não contemplam infecções assintomáticas ou leves, que não acabaram no hospital. 

Num artigo noticioso desta semana da Nature, Declan Butler descreve vários estudos que tentaram analisar a percentagem de população que foi infectada, em certas regiões da Ásia. Apesar de os números serem contraditórios, o artigo sublinha outro aspecto. “Não me interessa que o vírus tenha um rácio de fatalidade de 50% ou 5% ou 1%, ainda seria um problema grande”, disse Marc Lipsitch, epidemiologista da Harvard School of Public Health, Boston, Massachusetts, citado no artigo, que refere ainda que ficará sempre acima da capacidade que os países têm para enfrentar uma pandemia.

Neste contexto, a polémica estalou quando em Setembro de 2011 uma equipa de investigadores conseguiu mutar o H5N1 de modo a que este se transmitisse directamente entre doninhas - o modelo por excelência para estudar as gripes, já que é muito parecido com o que se passa em humanos. Isto é novidade - e perigoso - porque o vírus se transmite normalmente das aves para os mamíferos ou para os humanos. 

Os dados foram apresentados primeiro em Setembro por uma equipa de investigação holandesa, liderada por Ron Fouchier, que trabalha no Erasmus Medical College e depois pela equipa de Yoshihiro Kawaoka da Universidade de Tóquio e Universidade de Wisconsin-Madison. 

As duas equipas já enviaram os resultados para a Science e para a Nature, mas em Dezembro, um comité de acompanhamento da Agência nacional para a ciência e biosegurança dos Estados Unidos pediu às duas revistas para não publicarem detalhes dos dois estudos por medo que a informação pudesse ser utilizada por bioterroristas. As revistas aceitaram os estudos mas ainda não disseram se os vão publicar na íntegra.

Depois de, a 20 de Janeiro, Kawaoka ter assinado a moratória de 60 dias, junto com outras equipas, deu a sua opinião num artigo na Nature. “Algumas pessoas argumentam que os riscos destes estudos – mau uso e a libertação acidental do vírus, por exemplo – pesam mais do que os benefícios”, escreveu. “Oponho-me a isso, o vírus H5N1 que circula na natureza já é uma ameaça, porque os vírus da gripe mutam constantemente e podem estar na origem de pandemias que causam grande perda de vidas.”

Agora, a reunião em Genebra que termina sexta-feira, e junta 22 pessoas, entre autores dos dois estudos e os editores das revistas científicas, vai discutir “as circunstâncias específicas dos dois estudos e vai tentar chegar a um consenso sobre acções práticas que resolvam as questões mais urgentes. Em particular o acesso e a disseminação dos resultados desta investigação”, explica um comunicado da OMS.Num artigo de opinião da edição online desta quinta-feira da Science, Malik Peiris, que teve um papel importante em determinar o carácter patogénico do H5N1, explica que antes das grandes epidemias passarem para as pessoas, os vírus na sua origem passaram anos a infectarem animais. Argumenta que “compreender as características virais e humanas que permitem que a gripe (…) possa ser transmitida entre humanos é sem dúvida uma das mais importantes questões da investigação de hoje”. E remata: “A natureza continua a ser um dos mais eficientes bioterroristas!”

fonte: Público

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