segunda-feira, 23 de abril de 2012

Investigação do vírus da gripe H5N1 no centro da polémica


O vírus da gripe das aves foi submetido a mutações em laboratório, o que desencadeou uma discussão mundial 

A investigação mais polémica dos últimos meses tem um novo capítulo. Discute-se, esta segunda-feira à noite, numa reunião do Ministério dos Negócios Estrangeiros holandês, em Haia, se uma investigação sobre o vírus da gripe das aves, ou H5N1, pode ser publicada. Qualquer que seja o resultado do encontro, Ron Fouchier, o responsável pelo trabalho, diz que avançará com a publicação. 

O holandês, que acabou de constar na lista da revista Times como uma das 100 pessoas mais influentes de 2012, é um dos cientistas que está à frente de uma batalha sobre liberdade científica e biossegurança. Tudo começou no ano passado, quando Ron Fouchier, do Centro Médico Erasmus em Roterdão, submeteu para publicação na revista Science um artigo no qual mostrava as mutações que fez no H5N1 para que o vírus passasse a ser transmissível entre mamíferos – neste caso, doninhas, o modelo animal por excelência para estudar a gripe nos humanos. Ao mesmo tempo, a equipa de Yoshihiro Kawaoka, da Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA, enviou um artigo para a revista Nature, com um estudo independente onde demonstrava o mesmo. 

O vírus H5N1 só é transmissível das aves para as pessoas, mas a mortalidade humana é muito elevada, provavelmente maior do que a da gripe de 1918, que matou entre 20 a 50 milhões de pessoas em todo o mundo. Todos os meses continua a haver casos de pessoas infectadas pelo vírus, por terem tido contacto com aves. Normalmente, os infectados acabam por morrer nos hospitais. O último caso descrito pela Organização Mundial de Saúde, na sua página na Internet, foi no Egipto a 12 de Abril deste ano. 

O que os especialistas em epidemiologia temem é que o vírus acumule naturalmente as mutações suficientes e que passe a ser transmissível entre pessoas. Apesar de estas duas equipas já terem apresentado a sua investigação em algumas conferências, em Dezembro Conselho Nacional Científico para a Biossegurança dos Estados Unidos (NSABB, sigla inglesa) negou a publicação dos dois artigos, receando que a informação fosse aproveitada por alguém para desenvolver um vírus mutado.

A discussão continuou. Em Janeiro, 20 equipas que trabalham na mutação do vírus da gripe assinaram uma moratória, para que, durante dois meses, a investigação parasse e se reflectir sobre o caminho a seguir. Tanto o grupo de Fouchier, como o de Kawaoka, apesar de terem assinado a moratória, opunham-se a esta decisão, já que defendiam que as suas investigações eram uma forma de conseguir estar um passo à frente de uma possível pandemia. 

No mês seguinte, uma reunião da Organização Mundial de Saúde (OMS) concluiu que era necessário “alargar o prazo da moratória temporária da investigação do novo vírus H5N1 modificado em laboratório e reconhecer a necessidade de continuar os trabalhos no H5N1 que ocorre na natureza, para proteger a saúde pública”.

A 30 de Março aconteceu um volte-face surpreendente. Uma votação, ao fim de dois dias de uma reunião do NSABB, recomendou a publicação dos dois artigos científicos. Paul Kleim, presidente do conselho, referiu que a nova versão dos artigos mostrava que as experiências não eram tão perigosas como pareciam inicialmente e que os benefícios da sua divulgação eram superiores aos possíveis riscos. Na semana passada, o Governo dos Estados Unidos, através dos Institutos Nacionais de Saúde, aceitou formalmente a recomendação do conselho.

Mas, de acordo com o Governo da Holanda, há problemas legais em relação à publicação do artigo da equipa de Fouchier: o cientista holandês terá de obter uma autorização de exportação para publicar a investigação, já que a informação descrita tem o duplo potencial de fazer tanto o bem como o mal. 

O cientista já respondeu a esta possibilidade, garantindo que vai publicar o artigo aconteça o que acontecer. “Nunca iremos pedir uma autorização de exportação sobre a publicação de um artigo científico. Não queremos criar um precedente”, disse Fouchier, citado pela revista Nature. “Poderemos acabar no tribunal, se insistirem na censura.”

Fouchier está na reunião desta segunda-feira em Haia, para defender a publicação, juntamente com 30 convidados, entre os quais Kawaoka e outros cientistas e responsáveis dos Estados Unidos, Japão, Indonésia, Vietname, Reino Unido, assim como representantes das revistas Science e Nature e da OMS.Nos bastidores

Mas o caso deverá ter outras repercussões. Na Holanda, já se fala da criação de um concelho europeu equivalente ao NSABB para a discussão da biossegurança, especialmente no caso de doenças com um potencial perigoso para a humanidade como o H5N1. Uma das questões que está a ser discutida é a facilidade com que se deu luz verde a estes dois projectos, em primeiro lugar.

Nos Estados Unidos, o caso também está longe de arrefecer. A revista Science obteve, por fonte anónima, uma carta de Michael Osterholm dirigida Amy Patterson, uma das responsáveis do NSABB. Osterholm, especialista em epidemiologia da Universidade de Minesota, foi um dos seis membros da última reunião do conselho que se manifestaram contra a publicação dos dois artigos sobre as estirpes mutante do H5N1, mas que perderam contra os 12 votos a favor. 

“Estou preocupado com o cientista de garagem, o cientista 'faça você mesmo', a pessoa que quer ver se consegue fazer a experiência", disse Michael Osterholm, citado pela BBC News, na altura em que o resultado da votação foi noticiado. 

Na carta, as acusações do especialista são mais sérias. Michael Osterholm argumenta que a reunião foi “estudada para se obter o resultado que se obteve”. Diz que, por um lado, os especialistas no conselho tinham um interesse directo em que a publicação dos artigos fosse aprovada, já que “estão envolvidos no mesmo tipo de trabalho e os resultados da nossa deliberação vão afectá-los directamente”, refere Osterholm na carta. Por outro lado, defende que, embora “não acredite em qualquer objectivo sinistro” do Governo norte-americano, este estava mais motivado para uma resolução “que era menos sobre ciência robusta – e política baseada na análise do risco e benefício – e mais para se livrar desta questão difícil”. 

Michael Osterholm revela ainda que a equipa de Fouchier já deu mais um passo na investigação do vírus: encontrou uma mutação que facilita ainda mais a transmissão do H5N1 entre doninhas. Para este especialista, a aprovação do conselho dificulta a proibição de qualquer nova descoberta que venha a caminho, independentemente de representar um perigo acrescido para a biossegurança mundial.

fonte: Público

Sem comentários:

Enviar um comentário